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Adeus - Série Ironias


Ironia é a gaita soar para alguém que já não pode mais ouvir.

O dia ainda não tinha mostrado seu sol; o que raiava agora era a melancolia de uma noite em claro; Nos ouvidos, a melodia triste de uma música escoteira de despedida que a gaita chorava. As noites nunca mais seriam as mesmas.
                 Perdoe-me se a carta parece molhada. É que meus olhos ardem com a ideia de uma última imagem. Desculpa também se me demoro. Meus braços estão cansados de ir ao rosto enxugar a chuva incansável que lava a alma. Que caiu na noite certa. Chuva que, pra mim, era o choro dos anjos chorando no rosto errado. Esse era o meu.
                Eu não queria dizer adeus e por isso inventei que aquele abraço não seria o último. Dizem que o primeiro passo pra uma mentira se tornar fato é a fé do contador. E eu quis acreditar. E acreditei por aqueles que não tiveram um último abraço.
                Ele não se rendeu aos feitiços sedutores do sono, porque ele foi seduzido antes pelos encantos de uma moça adorável. E que se tornara um amor, daqueles imaculados de cinema antigo. Ele, nessa (ainda não) manhã, quis chorar na frente dela, mas depois se impediu porque tinha que dar a força – que faltava a todos – a pelo menos ela, cujos olhos cediam honra aos encantos do jovem rapaz. Que já era dela, de fato, mas que nos próximos meses não seria, nem ela dele. E foi triste.
                O nome daquilo era amor, e os que não entendiam o expulsavam aos gritos do lugar do desencontro, fazendo sofrer dois corações que batiam algemados um ao outro, condenados a viver pra sempre sendo prisioneiros de um mesmo sentimento. E ele foi embora. Deixou as malas e o coração, que ela levara não por maldade.
                O gaiteiro, que também era namorado, foi então viver a poesia da tristeza, sentado ao sereno e à chuva que de tão fina era quase simbólica, transformando em notas as lágrimas que não deixou cair.
                Ironia é começar com era uma vez e não terminar com felizes para sempre.

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