A última folha seca que caiu da árvore magra não anunciava o fim do outono. Anunciava o caos.
A menina meiga tinha as dores desaguadas numa paisagem antiquada beira-rio, onde a cachoeira afogava com força sobrenatural tudo aquilo que mudava o tom de voz da menina de trança dourada.
Os óculos sempre lhe caíam à ponta do nariz, dando aos seus oito anos um toque engraçado de oitenta. Mas o toque lhe acompanhava a alma, inteligência de velho que tinha a menina. Um velho espírito, escondido entre as cores dos desenhos de giz de cera, de traços tão precisos, convergentes, coloridos.
Sabia que um dia a queda d'água ia perder a força e deixar boiando todas as coisas que acinzentavam seus rabiscos. Cabeça de velho. É velho que sabe dessas coisas. Criança sabe só que a felicidade é pra sempre, que existem por aí cavaleiros valentes, que Papai Noel presenteia os bonzinhos e que estrela cadente traz o que a gente mais quer. É disso que criança entende. Mocinha de 8 anos não devia estar pensando em finais não felizes. E ela sabia que não devia. Mas vai dizer pra ela! Você acha que é fácil convencer alguém de ir pensar tolice quando já se sabe que arco-íris não leva a pote de ouro nenhum?
Aí ninguém entendia a velha criança. "Vá pensar bobagem!", diziam."Vá resmungar às suas bonecas!", ela escutava.Mal compreendida, foi à pequena e velha cachoeira, que parecia compartilhar das dores da mocinha. Tinha um bloco sempre com ela. Colado na contra-capa, uma caixa de giz de cera surrados pelo uso constante. Sentava na pedra branca e escorava-se no tronco de uma árvore que, grande, a abraçava enquanto suas pequenas mãos dançavam sobre as folhas brancas. Daí em diante toda dor virava cor.
Depois, silenciosa, pegava o caminho de volta, pisando em galhos secos e folhas mortas até onde a mata virava quintal, que vovó cuidava como se fosse gente. Entrava pela varanda, limpava os pés e ia pra cozinha experimentar os biscoitos que saíam do forno. Sempre estavam gostosos, mas tinha que continuar experimentando, né? E se um dia vovó errasse as contas das xícaras de açúcar?
Foi então que dia desses ela chegou no quintal e viu que vovô tinha cercado tudo com "arame de bichinho". Vovó explicou que o nome era farpado, mas ela não conseguia parar de associar as farpas às formigas e aranhas. Vovô disse que era por causa da onça, e se conformou a menina.
Por causa da onça ela não foi mais à queda d'água.
Por causa da onça e de não ir mais à queda d'água, ela não precisou mais do bloco, porque já não desenhava.
Por causa da onça, da queda d'água e de não desenhar mais, não usava os gizes nem as cores.
Por causa da onça, da queda d'água, de não desenhar, não usar nem o bloco, nem os gizes, nem as cores, parou de afogar as dores e agora engolia todas elas.
Uma dia a menina explodiu e sujou o quarto inteiro. Mas o quarto não ficou colorido como seus desenhos. Que pena. Ela tinha tanta cor dentro de si... Não entendo como tudo ficou só cinza.... Que pena mesmo.
A menina meiga tinha as dores desaguadas numa paisagem antiquada beira-rio, onde a cachoeira afogava com força sobrenatural tudo aquilo que mudava o tom de voz da menina de trança dourada.
Os óculos sempre lhe caíam à ponta do nariz, dando aos seus oito anos um toque engraçado de oitenta. Mas o toque lhe acompanhava a alma, inteligência de velho que tinha a menina. Um velho espírito, escondido entre as cores dos desenhos de giz de cera, de traços tão precisos, convergentes, coloridos.
Sabia que um dia a queda d'água ia perder a força e deixar boiando todas as coisas que acinzentavam seus rabiscos. Cabeça de velho. É velho que sabe dessas coisas. Criança sabe só que a felicidade é pra sempre, que existem por aí cavaleiros valentes, que Papai Noel presenteia os bonzinhos e que estrela cadente traz o que a gente mais quer. É disso que criança entende. Mocinha de 8 anos não devia estar pensando em finais não felizes. E ela sabia que não devia. Mas vai dizer pra ela! Você acha que é fácil convencer alguém de ir pensar tolice quando já se sabe que arco-íris não leva a pote de ouro nenhum?
Aí ninguém entendia a velha criança. "Vá pensar bobagem!", diziam."Vá resmungar às suas bonecas!", ela escutava.Mal compreendida, foi à pequena e velha cachoeira, que parecia compartilhar das dores da mocinha. Tinha um bloco sempre com ela. Colado na contra-capa, uma caixa de giz de cera surrados pelo uso constante. Sentava na pedra branca e escorava-se no tronco de uma árvore que, grande, a abraçava enquanto suas pequenas mãos dançavam sobre as folhas brancas. Daí em diante toda dor virava cor.
Depois, silenciosa, pegava o caminho de volta, pisando em galhos secos e folhas mortas até onde a mata virava quintal, que vovó cuidava como se fosse gente. Entrava pela varanda, limpava os pés e ia pra cozinha experimentar os biscoitos que saíam do forno. Sempre estavam gostosos, mas tinha que continuar experimentando, né? E se um dia vovó errasse as contas das xícaras de açúcar?
Foi então que dia desses ela chegou no quintal e viu que vovô tinha cercado tudo com "arame de bichinho". Vovó explicou que o nome era farpado, mas ela não conseguia parar de associar as farpas às formigas e aranhas. Vovô disse que era por causa da onça, e se conformou a menina.
Por causa da onça ela não foi mais à queda d'água.
Por causa da onça e de não ir mais à queda d'água, ela não precisou mais do bloco, porque já não desenhava.
Por causa da onça, da queda d'água e de não desenhar mais, não usava os gizes nem as cores.
Por causa da onça, da queda d'água, de não desenhar, não usar nem o bloco, nem os gizes, nem as cores, parou de afogar as dores e agora engolia todas elas.
Uma dia a menina explodiu e sujou o quarto inteiro. Mas o quarto não ficou colorido como seus desenhos. Que pena. Ela tinha tanta cor dentro de si... Não entendo como tudo ficou só cinza.... Que pena mesmo.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluire ainda tem gente que Não entende por que ficou só cinza....
ResponderExcluirThayô, conhece o blog em que eu participava? http://www.vidamiuda.blogspot.com.br/
ResponderExcluirEle fechou, mas ainda é possível ler todas as postagens.
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