Pular para o conteúdo principal

Taxicronista


            Se você quer ser um cronista de mão cheia, vire taxista. Se trinta minutos num táxi rendem cinco crônicas, duas músicas, três matérias na VEJA e um livro de piadas, imagine o acervo de quem comanda o volante de um desses amarelinhos todos os dias.
            Certa noite de novembro, precisei utilizar o serviço de um jovem taxista. No caminho para o aeroporto, curiosa, quis saber a aventura mais exótica pela qual o moço tinha passado em seus quatro anos de profissão. Ele se riu e sem demora começou a narrar:
                Em uma noite dessas, me chamaram pelo rádio. Era uma corrida de um motel. La fui eu, já imaginando... Motel, vou pegar um casal e tudo bem. Quando eu cheguei lá, era um cara feio pra burro! E a menina era maravilhosa – cara de revista. Aí o rapaz chegou pra mim e disse que a corrida era pra Rocinha. Eu já tinha aceitado, mas, pra me assegurar, perguntei a rua. Quando ele me disse o nome da rua eu até respirei fundo. Disse pra ele:
- Olha, amigo, nessa rua eu não entro, não. Eu fico com receio...
Em defesa, ele se justificou:
- Que isso, rapaz... Eu sou o Nem*! Fica tranqüilo... (se você ainda não entendeu, corre pro rodapé!)
No carro as minhas pernas até bambeavam, afinal, a polícia estava atrás do cara que estava no banco de trás do meu carro... E eu fui guiando, né. Fui entrando numa rua estreita, que dava pra uma mais estreita ainda, que desembocava em outra ainda menor... Daí a menor abria em uma praça, cheia de malandros, armas, moleques, armas, mulheres, armas, cerveja, armas... A essa altura eu estava congelado no banco. De repente, o Nem pergunta:
- Quando ficou aí, parceiro?
O taxímetro marcava 81 reais. Eu tremi e disse meio gaguejando:
- Oitenta.
Ele ergueu uma nota de cem e me entregou na mão.
- Ô Broquinha! Guia parceiro aqui, mostra pra ele a saída. Dá uma cobertura pra ele!
Ufa! Nessa hora eu me senti “a pessoa mais segura do mundo!”. Fui guiado até sair da favela e pronto. Ainda ganhei a gorjeta de vinte pratas!


(*) Apelido do manda-chuva da Rocinha, favela do Rio de Janeiro.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Vamos estudar ética?

E, em 2045, num museu: Esta é uma foto tirada de um programa de TV, uma novela, há aproximadamente 30 anos atrás. Vocês, crianças, já devem ter aprendido isso nas aulas de história, mas esta aqui é a razão da silenciosa terceira guerra mundial, que começou no Brasil e foi estabelecida em um site de relacionamentos, que seus pais devem conhecer, chamado Facebook. De um lado os conservadores, lutando em favor da família e seus valores morais, do outro, jovens com mentes revolucionárias que acreditavam na igualdade de direitos entre todo e qualquer ser humano, o que podemos chamar de ética. Os conservadores, embebidos de um carácter incorruptível, imaculados e vivendo suas vidas em busca da perfeição sobre-humana, diziam que uma cena assim não poderia ser exibida em programações abertas da televisão, já que seria absurdamente influenciável às crianças, como vocês, corrompendo suas mentes puras para um ato de tal barbárie, que hoje entendemos como uma demonstração de afeto simples entr...

Repouso da Alma

Quero que nos olhemos nos olhos e que sua alma tome banho na minha, como quem toma banho de cachoeira, mergulha e não tira a água do cabelo, mas deixa ela se escorrer pela pele com afeto. Quero sentir nossos suspiros brandos com a cabeça encostada no peito uma da outra quando o dia pesar nas pálpebras. Quero pintar nosso quarto de diferentes cores 36 vezes, e mudar os móveis de lugar outras 42. Quero podar nossas plantas e às vezes não, deixá-as crescer naturalmente, sem aperreio, com seus verdes e borboletas. Quero receber seu aconchego ao chegar à porta, com mochila nas costas e pés cansados, sorrindo amor. Quero me apaixonar por você dia sim outro também.

Poema Vertical - Forró de Perder

Só de pensar no meu amor nos braços de outro forró nas rimas de outra canção... Eu sou de quem sou Eu sou de quem Seu Mas o meu amor não é tão só meu Não tá mais tão meu não é mais pra eu Nem posso pedir Não mais "por favor". Só de pensar no meu amor o meu bem querer em outro sabor em outro calor por entre outras mãos cheirando outro alguém... Parece que sei que sabe que sou de um jeito tão tua que a mãe praguejou, que o galo cantou A ficha caiu. O céu desabou, me fugiu o chão, caí em fadiga, me faltou a voz Parece que Desce Que foi Que padece Carece de tempo Se mexe que é dor. Parece que chuva Imita um trovão Deságua a menina Enfim aceitou. Se acalma menina pare de chover aceita essa ideia louca de não ter. Eu sei que é difícil mas logo esse leite que derrama dô vai ser tudo em vão Que logo o amor vai achar outro peito e deitar bem direito e se esquecer de tu Acorda menina sacode essa água esconde a tristeza ...