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Sexta.

E lá ia ela com sua triste felicidade de sexta-feira à noite. Voltava ela pra casa correndo, com os saltos na mão direita enquanto com a esquerda tentava equilibrar na orelha o celular com um número discado; era o primeiro da agenda.

Chamara Augusto e seu carro, que não a abandonaria no meio da R. Dom Quixote, no centro de uma metrópole qualquer, ao léu, sereno e garoa até, que ameaçava cair em minutos.

Augusto chegara cinco minutos atrasado; atrás da garoa. A relaxava tanto que não fez questão de procurar uma marquise, um toldo, um ponto de ônibus, um teto. O que provocou que, antes de Augusto, três carros parassem em frente a ela pedindo pagar por hora de atenção, aos quais reagiu rude, com palavrões intermináveis e um gesto obsceno qualquer.

Ao vê-la, o rosto reagiu com piedade, ódio, nojo, amor fraternal e todos os outros. Ela chorava disfarçadamente em baixo dos cabelos. Desceu do carro e foi  até ela, jurando pra si mesmo que na próxima sexta as coisas seriam diferentes.

Na segunda era aula do cursinho pré-vestibular. Todos esperavam dela mais do que ela queria pra si própria. Depois, aula de teatro; de noite, barzinho; não importava a idade dela. Com salto e maquiagem ela parecia com 22.

Terça era cursinho e bar. Quarta era cursinho, aula de teatro e um programa de família que ela odiava. Quinta era cursinho, trabalho de faculdade na casa de alguém e internet. Rotina amarrada. Sábado era ressaca e trabalho. Domingo era o chato almoço em família; e descanso. Nunca acabava.

Mas lá ia ela com a sua triste felicidade de sexta-feira à noite. Voltava ela pra casa correndo com os saltos na mão direita, na outra o celular chamando Augusto e seu carro que a protegeriam do léu, do sereno e da garoa, sempre pontualmente antecipada. Carros param, palavrões, Augusto desce e vai até ela, que chora embaraçada nos cabelos, ele promete a si mesmo que nunca mais vai acontecer; isso até a próxima sexta.

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